terça-feira, 20 de maio de 2014

Vencedores e Perdedores.

Cresci numa sociedade que cultua os "vencedores". Apesar de viver num ambiente compreensivo, sempre recebi o indireto recado de que se deve querer nada além do melhor, aceitar nada que não o melhor, almejar nada que não ser O melhor. E quem de nós não cresceu (e segue crescendo) em tal mundo?
A palavra melhor sempre traz implícita a comparação, afinal ser melhor é ser melhor que algo. E na ânsia de sermos sempre melhor acabamos piorando em nosso centro, explodindo nossa vaidade, dilacerando a competição que muitas vezes é injusta. Alguns egos inflam, outros murcham, mas todos os Seres saem perdendo.
Através do Yoga aprendi que não devo ser melhor QUE, mas melhor PARA; afinal nosso desejo de aperfeiçoamento não é, em essência, cruel destruidor. Através da prática do Yoga o indivíduo pode refinar seu corpo, sua mente, suas emoções e seu espírito para se tornar de maneira holística um Ser melhor para si e para o próximo.
Claro que esse processo não é simples ou totalmente palpável a primeira instância. Saber algo e realizá-lo são dois pontos bem distantes de uma reta, mas a reta segue existindo e, portando, pode ser traçada. Esse processo massivo e competitivo ao qual fomos submetidos desde criança para sermos vencedores, passar no melhor vestibular, ter a melhor profissão, desfrutar das coisas mais exclusivas, ganhar em todos os jogos e etc, se encontra profundamente enraizado em nosso subconsciente através dos kleshas: Fatores de servidão, apego e identificação com as coisas passageiras e experiências mundanas que todos possuímos desde nascença e se agravam com o passar do tempo e experiências vividas. Mesmo conhecendo esses fatores constantemente seremos levados por eles devido à profundidade de suas raízes. Em meus 8 anos de prática me lesionei e continuo me lesionando (não apenas fisicamente) pois eventualmente me deixo levar pelo sentimento de "querer ser melhor que"; porém parte do processo é aprender com as cicatrizes, cada lesão, cada tombo, cada dificuldade carrega em si um enorme potencial de aprendizado e transcendência.
Dizem que ou se aprende no amor, ou na dor. Creio que a segunda opção geralmente acontece com mais frequência, e que assim seja. Não há nada de errado em querer ser um Ser melhor, mas se seu desejo de aperfeiçoamento se demonstra egoísta, competitivo e frustrante você está almejando apenas ser um indivíduo melhor. Que ancorados em nosso desejo sincero que crescimento, possamos nos perceber como seres únicos e ao mesmo idênticos, melhores e ao mesmo tempo naturalmente perfeitos; e que nosso esforço de crescimento tenha um verdadeiro propósito que não apenas ser o/a Melhor, mas parte do Melhor.

"Senhor fazei de mim um instrumento de vossa paz (...)"
- São Francisco de Assis

Namastê.

domingo, 24 de novembro de 2013

Essa tal mania de sofrer

Tenho de admitir: Eu sofro de uma mania. Não é TOC, não é mania de limpeza, não é mania de velho; é mania de sofrer.

Sofrimento é aquela tristeza que não vai embora. Ele se reveza com momentos de alegria, euforia, distração, e depois torna a bater na porta da mente. A mente adora esse camarada, ela o alimenta, o faz parecer real e o instala, muitas vezes de forma crônica. O ego, primo próximo e cruel da mente, também possui uma perversa admiração pelo camarada sofrimento que constantemente o fere e lhe traz mais e mais identificação, seu alimento favorito.

Sofrimento é uma tristeza que não vai embora, fruto de Avidya - ignorância. Avidya é a percepção mesquinha da não Unidade... achar constantemente que somos euzinhos a parte, distintos, e mais ou menos importantes. Enquanto nos sentimos separados de tudo estamos no modo da ignorância.

Sofrimento é uma tristeza que não vai embora, não vai embora porquê nos apegamos a ela. Pense bem, tristeza é absolutamente normal, todos já sentiram ou vão sentir. Os motivos da tristeza são os mais variados e também inevitáveis. Perder alguém querido, por exemplo, certamente irá gerar profunda tristeza, mas como e quando abrir mão dessa tristeza pra que ela não se torne sofrimento? Faço o convite de que reflita nesse momento, como eu estou refletindo, sobre o que te faz sofrer e porque não simplesmente deixa a tristeza ir embora.

Sofrimento é uma tristeza que não vai embora, por que estamos constantemente querendo e não simplesmente Sendo. Abrir mão do controle, orar e dar graças a tudo que existe ao seu redor, do bom ao ruim e perceber a maravilha e as bênçãos de estar vivo a cada dia pode nos trazer um bom parâmetro de como é tolo nos apegarmos às pequenas tristezas, porquê assim como as alegrias, elas vão embora. Encha-se do essencial, Seja, não tente.... Seja.

Tenho de admitir: Tenho uma mania. Não tenho orgulho disso, mas sou consciente. Sei que o mergulho pra dentro de mim fará essa mania ir embora, claro que não é fácil, mas viemos a esse mundo pra aprender... e que linda jornada é esse aprendizado.

Que eu, você, e todos os seres possam deixar a mania de lado. Que possamos perceber que Somos, e somos Um.
Mãos em prece, namastê.

terça-feira, 14 de maio de 2013

O Vazio

Parece um pouco estranho voltar a escrever após quase 2 anos. Os motivos que me afastaram daqui não convém; mas percebo que após fases difíceis em minha vida volto a me aprofundar em mim mesmo, volto à Busca com mais intensidade.
Um dia desses estava refletindo sobre essa sensação, eterna, que tenho dentro de mim de vazio. Como se houvesse algo faltando, uma peça chave que não encontro, algo importante mas que não tem nome. Tenho certeza que todos nós nos sentimos assim, sempre em busca de algo que nos vá trazer conforto, felicidade e paz.
Como todos, andei procurando essa peça que falta dentro de mim fora de mim. Procurando relacionamentos, momentos, pessoas, eventos, jogos....distrações... algo que pudesse cobrir esse vazio tão profundo. Encontrei distrações, encontrei formas de fingir que o vazio não existia, de tirar minha mente dele. Em muitas ocasiões isso deu certo... esqueci que era um buscador, esqueci que não deveria me identificar, esqueci.... mas não completamente. O vazio jamais me deixa esquecer, pois mesmo após o dia mais divertido ele vem me cutucar fundo nas entranhas, dizendo que tudo não está bem.
Esse vazio, meu, seu, de todos os seres humanos, é o chamado do coração. O desejo da alma de retornar ao lar, ao conforto, conforto permanente. Dar um sentido à essa existência, sentido maior que simplesmente ganhar dinheiro, se reproduzir e "achar" que vive uma vida feliz. Não acho que se relacionar, se distrair, ser tolo as vezes seja errado; mas equivocado é esquecer o verdadeiro objetivo de estar por aqui. Insisto sempre nesse ponto: Se vc quer ser uma boa pessoa pros outros, conheça e ame primeiro a si próprio. Chega de projetar nossa felicidade nos outros, chega de achar que alguém ou alguma coisa te fará sentir completo.
Peço e rezo, à mim mesmo, que não esqueça com tanta frequência, que não me identifique com tanta frequência.
O vazio continua lá, com o que estamos tentando preenchê-lo?

domingo, 24 de julho de 2011

Solidão e Inspiração

Olá.
Em todo esse curto tempo em que retornei, encontrei grande dificuldade em organizar os pensamentos, metas e emoções em minha mente. Me afastei do blog pois sentia dificuldade em encontrar algo que por mêses tive em abundância: inspiração. Existem certos momentos da vida em que simplesmente as coisas parecem ter menos sentido, tudo ao seu redor parece ter menos cor, os dias parecem menos luminosos e a inspiração parece não mais existir. Para mim inspiração não é apenas um artigo necessário aos processos artísticos e de criação como pintar e escrever, mas aquilo que me motiva a levantar da cama e sacudir o mundo, inspiração é poder inspirar os outros através de meu trabalho, meus atos, meu exemplo.
Hoje pensei então: Se não consigo encontrar a bendita "inspiração" para escrever, por que não me inspirar em meu próprio momento "desinspirado"? Vamos falar de um sentimento que todos, sem exceção, já presenciaram: Solidão.
Solidão não é um estado apenas de não-companhia, quem já não se sentiu sozinho em meio a multidão? Solidão é quando não conseguimos nos identificar com a multidão, com as pessoas ao redor, quando sentimos que não temos com quem contar para simplesmente nos sentirmos queridos. Na afirmação anterior uma palavra me chama muito a atenção: Identificar. Identificação é algo que os praticantes de Yoga e meditação estão constantemente tentando remover, não se identificar com o corpo, com a agitação da mente, com a nossa própria efêmera existência nesse mundo; ainda assim aqui me encontro querendo sim me identificar para não me sentir sozinho, irônicamente engraçado não é mesmo?
Por mais bem resolvidos e independente que sejamos, todos queremos nos sentir queridos, não há mal algum nisso, todos queremos sentir que não estamos sozinhos, mas nesse processo de tentar se sentir querido, parte, aceito, amado, o indivíduo frequentemente acaba perdendo sua individualidade, sua inspiração, sua luz. Estamos tão preocupados em nos identificarmos com alguma característica alheia pra nos sentirmos parte que esquecemos que já somos parte do Todo. Se compreendemos de coração o significado de "Namastê" compreendemos que nunca estamos separados, sozinhos, e que não precisamos de identificações externas para nos sentirmos queridos. Quantas pessoas deixam de amar a si próprias no processo de tentar amar ao outro?
Se você ama seu filho, sua mãe, seu amigo ou qualquer outro papel que você desempenha nesse mundo então tenha a certeza de que não há nada mais importante que amar e principalmente conhecer a si próprio. Olhe no espelho e enxergue você suas qualidades antes de esperar que os outros a vejam e então estará livre para ser o que quer que o mundo espera de ti. Autoconhecimento é aquilo que te traz pra dentro de si e possibilita entender que na verdade não somos tão diferentes, partes, sozinhos.
Parte da experiência de estarmos vivos nesse planeta é aceitar que nem sempre as coisas são como gostaríamos que fossem. Sentirmo-nos sozinhos é algo que inevitavelmente acontecerá vez ou outra e cabe a nós entendermos, através do autoconhecimento, a impermanência e beleza de tal momento que nos permite mergulhar fundo em quem somos. Lembre-se que verdadeira paz e alegria não podem ser encontradas em objetos externos, mas dentro de si mesmo, onde reside a inspiração, onde reside seu Ser.
Que haja paz e afeto em abundância.


Namastê,
Haribol.

domingo, 5 de junho de 2011

Reiniciando

Voltei. Nesse tempo em que aqui estou preferi me afastar para tentar absorver um pouco de tudo o que passou. Parece frescura mas desembarcar aqui após meses na Índia não é fácil de entender ou de encarar... Tudo me parece diferente apesar de eu saber que a maior diferença reside dentro de mim e não no exterior, ainda assim ele me parece estranho e confuso. Quais os rumos a tomar, quais as ações, qual o destino... prefiro nesse momento aplicar a lei do distanciamento e deixar que se desenrole sozinho, exercitando fé, entrega, ishwara pranidhana....
Saudade é um sentimento difícil de explicar, acho que é por isso que nem existe em outros idiomas. Penso que saudades surgem do nosso apego à coisas, pessoas, lugares... ao mesmo tempo penso que não posso ser tão duro e rigidamente iogue ao achar que existe algo errado em senti-la, melhor curtir e tirar o que ela pode oferecer e ensinar. Sinto saudades da Índia... assim como quando na Índia sentia saudades daqui.
Existe um sentimento que não consigo denominar, uma sensação que afeta os peregrinos e viajantes e creio que apenas quem já passou por isso possa comprender do que falo. É um sentimento estranho, misto de solidão, nostalgia e uma tristeza que não é triste. É uma melancolia de estar com o pé na estrada... sozinho, ansioso, livre... Quantas vezes senti isso não posso contar, mas nesse momento relembro até desse sentimento e sinto saudades dele.
Quantos apegos mais eu tenho? Quantos mais irei gerar? Honestamente não me importa... se tem algo que aprendi no outro lado do mundo é tudo que é rígido se rompe, portanto não sejamos radicais em nossas ações e escolhas. Abraço meus apegos e minha saudade esperando que sejam propulsores a seguir em frente, e algum dia de volta àquilo que faz meu coração bater mais forte.

A jornada agora vai ser talvez menos aventureira, mas certamente encantadora como a anterior. Sigo nela, sigo AQUI. Bem-vindos novamente.

Haribol,
Namaste.

domingo, 22 de maio de 2011

Partindo


Então parti de Navadwip em uma agradável viagem de trem comum que começou de madrugada. As ruas de Navadwip são ainda mais místicas nesse horário. Dessa vez pude passar 3 dias em Calcutá e pude enxergar um tanto mais de charme na cidade que a primeira vista é um pouco chocante devido ao caos e a sujeira; West Bengal até pouco tempo atrás era o único estado comunista e esse é um dos fatores que o fez ficar um pouco atrasado em relação à Índia que cresce vertiginosamente. Foram dias agradáveis na companhia de boas pessoas e tivemos a misericórdia da chuva que trouxe temperaturas mais amenas nessa cidade espantosamente quente no verão. Em Calcutá me despedi da vida no templo lembrando o quanto é importante estarmos em contato formal com esses locais (qualquer que seja sua fonte de inspiração) para que nosso sadhana seja sempre inspirado, mas que nossa devoção e fé sempre caminha conosco em nosso coração, independentemene de onde estejamos.
Voei rumo à charmosa Mumbai, que agora pela segunda vez me parece mais ainda familiar e acolhedora. Mumbai me lembra muito São Paulo, agitada, correta, contemporânea mas cheia de histórias e tradições a contar em cada canto e cada pessoa. Estar em Mumbai outra vez inevitavelmente faz-me refletir em como mudei nessa jornada afinal foi o primeiro lugar que cheguei, e agora o último. Na maior parte do tempo da minha viagem estive focado em meus objetivos e atividades em locais formais e sagrados, aqui na cidade outra vez desfruto da calma e tranquilidade de simplesmente poder ser comum mas sem ser ordinário. Percebo o quanto cobramos de nós mesmos e que dessa forma não nos permitimos momentos simples de conforto e alento... um "praticante de Yoga" deve estar centrado em seus princípios mas sem torná-los dogmas pois tudo que se torna extremamente inflexível se rompe. Descansei, passeei, fui turista, fui aventureiro, e me dei ao luxo de simplesmente estar descompromissado... apenas absorvendo Mumbai e seus encantos. Meus eternos agradecimentos à família Sheth que outra vez me acolheu aqui e me fez sentir parte desse local.
Agora vou-me embora... De volta ao Brasil, de volta a minha vida que não sei como vai ser, de volta à terra que não é minha mas que levo dentro de mim. a Índia também, todos os locais e momentos sagrados voltarão comigo e comigo estarão enquanto respirar...
Uma experiência de partir de nossa zona de conforto além de nos fortalecer nos força a entender que o melhor lugar para se estar não é aquele que sonhamos mas AQUI, e o momento mais importante é AGORA. Os lugares sagrados andarão comigo, e espero eu poder lembrar que eles estão aonde minha atenção estiver.
Adeus Índia, até nosso próximo reencontro, sentirei sua falta mas não lamentarei pois tenho a fé que você ajudou a fortalecer. Jay hind!


Shanti, Shanti, Shanti,
Haribol,
Namaste.

*não encontro meu cabo, portanto não postarei agora fotos dessa última parte da viagem.










terça-feira, 17 de maio de 2011

Despedindo-me de Navadwip

Agora encontro-me aqui, em pleno verão indiano, na cidadezinha de Navadwip. Por 1 mês aqui permaneci e agora me despeço com uma ponta de tristeza. Por 1 mês vivi uma vida de monge, morando, trabalhando e participando das atividades do templo, e tanta coisa aconteceu… tantos momentos a recordar, tantas coisas ainda a entender, acho que muitas coisas dessa experiência serão processadas apenas quando eu for embora e talvez tudo isso apareça em minha memória como um sonho longínquo que vivi no outro lado do mundo. A vida aqui é desafiante pelas suas peculiaridades e alegria e tristeza se alternam em nossa mente, mas não é assim também em qualquer outro lugar? Apesar de absolutamente tudo ser diferente observo o mesmo padrão de comportamento mas percebo também o quanto mudei nessa jornada e fico imaginando se quando voltar pra casa ao olhar em meu antigo espelho enxergarei a mesma pessoa… acho que não.
Outro dia andava pela rua rumo a uma loja que fica um tanto longe daqui. Era mais ou menos meio dia, o calor castigava incansavelmente como sempre, mas eu andava tranquilo. Em certo momento passa por mim uma típica carroça com seu respectivo motorista e um outro senhor sentado em cima de uma pilha de sacos de areia, o senhor acena pra mim e diz para eu subir e pegar uma carona mas minha mente desconfiada rejeita e segue. Outra vez eles me chamam e continuo a negar, até que na terceira vez eles me pedem por favor, como se minha presença fosse uma honra a eles e então indeciso subo na carroça. No caminho, o senhor saca um pano limpo que possuía e coloca em minha cabeça para me proteger do sol e em frente a tamanho gesto de afeto eu me emociono e me sinto um tolo por ser tão falho em enxergar algo tão simples e gentil… quantos traumas, desconfianças e julgamentos carregamos conosco? Após uma breve jornada salto no meu destino e me despeço de meus alegres benfeitores que genuinamente felizes me saúdam com talvez as únicas palavras em inglês que conhecem.
Certa vez também um moço me ofereceu uma banana da penca que acabara de comprar e rejeitei porque não tinha fome e sei o quão caras as frutas são para eles, e ele inconformado me perguntou: "Porque?" - Não tenho fome - "Então você coma depois". Simples assim. E assim é a Índia… as vezes ela te acaricia, as vezes te sacode até as raízes fazendo que seus frutos, tanto os bons quanto os ruins, caiam ao chão.
Que saudades vou ter dessa vida tranquila, dos animais no meio da rua, de odiar a gritaria dos bengalis, de ver as deidades todo dia, das criancinhas gritando quando me vêem "Haribol!!", de reclamar do calor, de banhar-me no Ganges ao fim de tarde… de simplesmente estar aqui, mesmo nos momentos em que não queria estar. Jaya Navadwip Dham, o local em que todas as ofensas são perdoadas.
Amanhã Calcutá, dessa vez um pouquinho mais.

Namaste,
Haribol.


Balsa para Mayapur


Da janela do meu quarto... me dão cada susto!


Futebol na beira do Ganges



Parikrama, sempre divertidos de se ver.


Arati das deidades